Tem havido bastante discussão e dúvidas acerca da possibilidade do levantamento de PPRs que foram declarados para efeitos do IRS.
A esta data (28-11-2022) não existe ainda nenhuma comunicação/instrutivo oficial por parte da AT, pelo que a posição abaixo não é vinculativa e poderá muito bem vir a ser ultrapassada por um entendimento menos conservador (i.e., a favor do contribuinte e não do erário público) por parte da AT e/ou tribunais.
Posto isto, a Lei 19/2022 veio introduzir algumas excepções à regra geral no que respeita ao levantamento dos PPRs. Existe alguma incerteza acerca da aplicação da norma temporal (a necessidade de cumprir com a regra dos 5 anos antes do levantamento), mas parece-me evidente que a mesma continua a aplicar-se. O Pedro Andersson acha que não, face à resposta que recebeu do GP do PS (ver no seguinte link: https://contaspoupanca.pt/2022/11/07/as ... nalizacao/), mas creio que não terá razão.
Aliás, se esse prazo mínimo de 5 anos não tivesse de ser cumprido ao abrigo da Lei 19/2022, então seria totalmente inconsequente a aprovação pela AR da proposta do PSD de não se aplicar tal prazo no caso dos levantamentos para pagamento do CH (afinal de contas, pelo entendimento menos convervador, esse prazo genericamente não se aplicaria entre Out 2022 e Dez 2023).
Link da proposta do PSD aprovada na assembleia: https://tinyurl.com/5h56w3pd
Contudo, e voltando à resposta do GP do PS às perguntas do Pedro Andersson, transcrevo o seguinte:
O que tal resposta denota é que o levantamento terá de ser feito para conceder liquidez para a satisfação das necessidades mais urgentes.P: Em teoria, se reinvestir os valores que resgatei, posso receber uma dedução fiscal do PPR em 2023 com valores do PPR pelo qual já recebi uma dedução fiscal em 2022, certo?
R: Além da resposta anterior, relativa ao prazo mínimo de antiguidade de subscrição do valor a resgatar, há que considerar que o objetivo deste regime é conceder maior liquidez às famílias para a satisfação das suas necessidades mais urgentes. No limite, o recurso ao reinvestimento poderá denotar que o resgate não seria, em última análise, necessário, mas são processos independentes.
Poderá o levantamento do PPR, ao abrigo desta regra especial, para depois aplicar no mesmo ou em diferentes produtos financeiros, cumprir com os requisitos do mesmo?
Aqui fico com imensas dúvidas, porque levantar um PPR para depois investir nesse PPR, noutro PPR ou noutro produto financeiro não me parece que cumpra com o propósito de "conceder liquidez para a satisfação das necessidades mais urgentes" (não sendo advogado ou sequer jurista, poderei muito bem estar a ser demasiado conservador).
Sendo assim, quem levantar um PPR ao abrigo da Lei 19/2022 (ou aqueles que o façam em 2023 para fazer face ao CH sem que decorra o prazo mínimo de 5 anos, ao abrigo da norma especial proposta pelo PSD e aprovada na AR ao abrigo da discussão do OE 2023) poderão eventualmente ser questionados caso a AT prove que o seu levantamento teve apenas como propósito de aproveitar de forma abusiva dos benefícios fiscais concedidos aos PPRs em sede de IRS.
Para finalizar, a Lei 19/2022 tb prevê a seguinte regra:
Ora, de certa forma, existe uma transferência do ónus de interpretação destas regras para os bancos e seguradoras. Assim, é importante que o levantamento de qualquer valor ao abrigo da lei 19/2022 seja feita considerando aquilo que essas entidades indicarem. Contudo, em caso de questionamento, a AT não irá transferir as culpas para os bancos, pelo que consumidores/contribuintes prejudicados numa eventual interpretação errada da lei terão depois de pôr em tribunal os respectivos bancos/seguradoras para serem ressarcidos de algum valor adicional liquidado pela AT (good luck with that!)3 - As instituições de crédito, tal como definidas no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, e as entidades autorizadas a comercializar este tipo de produtos financeiros divulgam de forma visível, até 31 de dezembro de 2023, nos seus sítios na Internet e, no caso de emitirem extratos de conta com uma área para a prestação de informações ao cliente, nos respetivos extratos para o cliente, a possibilidade de resgate de PPR, PPE e PPR/E ao abrigo deste regime.
Post Scriptum:
É importante observar a cláusula geral anti-abuso.
- Norma anti da cláusula geral anti-abuso (de 1999 salvo erro):
- Actual regra (de 2019):Artigo 38.º
Ineficácia de actos e negócios jurídicos
1 - A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.
2 - São ineficazes os actos ou negócios jurídicos quando se demonstre que foram realizados com o único ou principal objectivo de redução ou eliminação dos impostos que seriam devidos em virtude de actos ou negócios jurídicos de resultado económico equivalente, caso em que a tributação recai sobre estes últimos.
É, a meu ver, com base nesse princípio que a AT pode questionar o levantamento dos PPRs declarados para efeitos do IRS fora das regras normais (que tipificam as situações para levantamento dos PPRs que foram declarados - ver as regras no Estatuto dos Benefícios Fiscais).Artigo 38.º
Ineficácia de actos e negócios jurídicos
(...)
2 - As construções ou séries de construções que, tendo sido realizadas com a finalidade principal ou uma das finalidades principais de obter uma vantagem fiscal que frustre o objeto ou a finalidade do direito fiscal aplicável, sejam realizadas com abuso das formas jurídicas ou não sejam consideradas genuínas, tendo em conta todos os factos e circunstâncias relevantes, são desconsideradas para efeitos tributários, efetuando-se a tributação de acordo com as normas aplicáveis aos negócios ou atos que correspondam à substância ou realidade económica e não se produzindo as vantagens fiscais pretendidas.
Para finalizar, quem quiser apresentar outros argumentos devidamente fundamentados pela lei ou por interpretações legais de tribunais ou fiscalistas que percebam do normativo fiscal tuga e que discordem da posição supra, agradecemos todos.